sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Resenha: A menina submersa - Caitlín R. Kiernan

Editora: Darkside Books

Ano: 2014
Páginas: 320
ISBN: 9788566636253

A menina submersa é uma espécie de solilóquio, misturando a realidade com fantasia dark, em um mundo de sereias, lobos, fantasmas, assombrações, remédios. O livro é narrado por India Morgan Phelps, conhecida como Imp. A primeira vista, parece ser uma história voltada para o público adolescente, mas percebemos justamente o contrário. 
O livro é narrado por Imp, uma mulher esquizofrênica, que decidiu datilografar seus pensamentos e sua história. Sabemos que ela vem de uma árvore genealógica meio conturbada, com familiares que acabaram até cometendo suicídio, por não conseguir aguentar. As pessoas que sofrem desse problema psicológico tendem a confundir a realidade com o imaginário. A própria protagonista comenta que aquilo que escreve não é necessariamente factual, alguns são apenas verdadeiros. 

"(...) O que não significa dizer que cada palavra será factual. Apenas que cada palavra será verdadeira. Ou tão verdadeira quanto eu consiga."

A menina submersa foge de tudo aquilo que já possa ter sido lido, não é apenas um livro, é uma obra de arte. A narrativa não é linear, Imp cria vários ciclos, andando em círculos, ás vezes volta atrás, para e continua mais tarde, sempre evitando ao máximo possível tocar em assuntos que a perturbam demais, suas piores assombrações. Não espere por um começo, meio e fim, tudo é um emaranhado proposital de ideias, cabe ao leitor selecionar os fatos e as verdades.


O background é o romance de Imp e Abalyn, uma transexual com passado forte, o que pode ter dado a ela essa capacidade de lidar com Imp, principalmente nas crises. A transexualidade e o lesbianismo tiveram seus momentos de foco, mas não foram tratados como coisas diferentes, em nenhum momento a autora faz isso, tudo é tratado com extrema normalidade, o que me agradou bastante.

Acreditava que o livro seria repleto de fantasia, mas logo nas primeiras páginas me deparei com um sentido próprio de fantasmas e assombração - principalmente Eva Canning  (ou seriam duas Evas?) - o que me fez pensar muito. Além disso, Imp conversa consigo mesma, com Abalyn, Eva Canning, sua mãe e com o leitor - de certa forma. 






"Fantasmas são lembranças fortes demais para serem esquecidas, ecoando ao longo dos anos e se recusando a serem apagadas pelo tempo. "


A menina submersa é cheio de citações de lendas - algumas existentes, outras não - como a floresta do suicídio, no Japão, citações de livros e músicas, a autora abusa dessas inspirações e traz como referência para o livro, o deixando ainda mais interessante.

Não diria que é uma história de terror, não irá te dar sustos ou coisa do tipo, acredito que seja pior. A menina submersa realmente mexeu comigo, é necessário ter estômago para ler.
Em um dos capítulos, vivenciamos uma crise de India em primeira pessoa - meu capítulo preferido - é a partir daí que começamos a entender melhor. Mas é necessária atenção ao ler, pois, devido a escrita, certos pontos tornam-se confusos e o final não virá com nenhuma explicação.

"Não vejo muita resolução no mundo; nascemos, vivemos e morremos, e no fim disso há somente uma confusão feia de negócios inacabados."

A escrita de Caitlín é excepcional - assim como Neil Gaiman diz na capa - sendo muito difícil ler o livro pensando que tudo aquilo é ficção, constantemente pensava que Imp era real e aquele era um livro escrito por uma pessoa real. Algumas das obras, como A menina submersa e Fecunda Ratis, citadas no livro, são apenas fictícias - feitas, na verdade, por outros autores - mas a escrita de Caitlín nos faz acreditar que são pinturas extremamente reais.

"Temos ficções necessárias, e ás vezes elas nos tecem."

A menina submersa vai entrar em sua cabeça e bagunçar tudo, te fazer refletir, pensar e acreditar no inimaginável. Um mergulho nas águas de um rio paradoxal, em que não é possível traçar de fato um limite entre o real e o imaginário.

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